Por Paula Teixeira, profissional de educação física

No contexto de distanciamento social, muitas pessoas tiveram suas oportunidades de deslocamento reduzidas a zero. O nível de atividade física caiu drasticamente na vida daqueles que caminhavam como forma de meio de transporte, ou ainda, ao realizar sua ocupação profissional. As academias ficaram fechadas, condomínios restringiram o uso de áreas comuns e todos tiveram algum grau de aumento do seu tempo sentado.

Nos quadros de transtornos alimentares, isso proporcionou um aumento considerável da angustia e fez com que muita gente se exercitasse sem qualquer supervisão, por meio de aulas online. Apesar de, em alguns quadros de anorexia e bulimia apresentarem o uso de exercícios físicos como um método compensatório disfuncional, ou seja, o a prática de exercícios trazer prejuízos a saúde, a inatividade física também prejudica.

Para pacientes com TA, a prática de atividade física requer cuidados de suma importância para um bom prognóstico. Isso porque, as pessoas que sofrem com corpo e a comida tendem a encarar o exercício físico de forma muito punitiva, por vezes até ultrapassando os limites de dor, ou ainda os sinais de fadiga do corpo.

Por isso, o profissional de educação física precisa entender mais sobre o funcionamento do comportamento de tudo-ou-nada, ou seja, aquele comportamento do “faço todos os dias sem perder um treino sequer, mesmo se estiver adoentado” associado a fases de “não faço nada”. É preciso conduzir a prática de exercícios dissociando totalmente de questões de calorias e evitar conversas sobre corpo e comida. Dúvidas sobre comida são esclarecidas com o nutricionista especializado e questões acerca do corpo podem ser levadas para o psicólogo. E esse direcionamento pode (e deve) ser encorajado pelo professor de educação física, que como profissional da área da saúde, tem a obrigação de incentivar que seu aluno cuide da saúde buscando ajuda qualificada.

Já está na hora dos professores de educação física entenderem que também temos parcela de responsabilidade na neurose das pessoas com o culto ao corpo. E que a busca desenfreada pelo corpo perfeito, na verdade, pode estar encobrindo questões que necessitam de tratamento com psicólogo e psiquiatra.

Nós da educação física podemos fortalecer esta corrente de saúde, desmistificando os estigmas a respeito do médico psiquiatra. Ainda mais diante das altas prevalências de quadros depressivos, ansiosos e de alimentação transtornada, todos estes diagnósticos que são da alçada do psiquiatra. Assim como encorajamos uma consulta regular ao cardiologista para averiguar se está tudo certo com o coração para se exercitar, podemos (e devemos) incentivar as pessoas a passarem por avaliações com o psiquiatra, afinal ele é o médico das emoções.

Na medida em que as flexibilizações do distanciamento social acontecem, é possível ver a volta das pessoas às academias e aos espaços de prática de atividade física. Depois de meses em inatividade física, o corpo pode estar mais suscetível a lesões, especialmente, entre aqueles que irem como “muita sede ao pote” e passar da conta. Podemos evitar que as pessoas se machuquem, e assim, garantir maior constância na prática de exercícios. E, principalmente, podemos cuidar da nossa abordagem, para não falar o que não deve, e evitar comentários sobre o corpo dos alunos, mesmo quando eles questionarem.

O profissional de educação física dentre todos de uma equipe multidisciplinar é o que mais vê o paciente/aluno. Nós estamos com eles, às vezes, mais de uma vez por semana, por isso podemos contribuir muito com a identificação precoce de problemas que merecem investigação. Podemos escolher fazer da nossa missão não só uma atitude de “ficar ao lado dos alunos contando quantos exercícios eles estão fazendo”, ou quantos minutos faltam para acabar. Podemos escolher estar ao lado dos nossos alunos socializando claro, mas ao mesmo tempo, direcionar uma boa execução de exercícios, avaliar se os pensamentos deles estão muito agitados (sinais de ansiedade?) ou se estão muito “preguiçosos” (sinas de depressão?), ou se a autocrítica sobre o corpo está num grau que só mostra insatisfação, vergonha, culpa, enfim… é importante estudar sobre as emoções para encorajar os alunos a bater um papo com o psiquiatra no momento certo. Isso pode salvar casos que se tornam crônicos quando mal tratados.

A educação física e a psiquiatria são duas áreas que podem ser amigas, bem como a nutrição e a psicologia. É a força-tarefa de equipe multidisciplinar que a nossa sociedade mais está precisando neste momento de tantos diagnósticos mentais e emocionais.