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Obesidade infantil: por que ao tentar ajudar estamos prejudicando nossas crianças


Imagem retirada do site: http://blog.fabeestore.com.br/cuidado-com-a-obesidade-infantil/

Por Juliana Bergamo Vega, nutricionista

Dias atrás atendi uma linda garotinha com excesso de peso no consultório, que não queria mais ir à escola. Após muito questioná-la sobre o que havia acontecido, me contou que sua professora propôs uma atividade sobre alimentação saudável em sala de aula, na qual todos os alunos deveriam abrir suas lancheiras. Ao observar as opções de alimentos trazidos pelos alunos, a professora elegeu a lancheira da garota como exemplo do que NÃO deveria ser escolhido para se alimentar de forma adequada. Depois do ocorrido, ela nunca mais teve paz. Era motivo de piada entre os amigos, que completavam dizendo: “agora entendo porque está tão gorda”. Pronto, o caos estava instalado. Mais uma história de angústia e sofrimento que se iniciava. Mais uma exposição desnecessária travestida de educação nutricional “cheia de boas intenções”.

Há alguns anos, as pesquisas mostram o aumento exponencial de excesso de peso e obesidade entre crianças e adolescentes. Como resposta, organizações de saúde, profissionais e familiares tentam buscar estratégias de enfrentamento para este novo cenário, até então desconhecido. Resultado: dietas, proibições, culpa, medo de engordar, desvalorização do corpo como imperativos nos lares e germinando dentro das crianças crenças disfuncionais sobre alimentação, corpo e saúde.

Em algumas situações, nós, adultos, não medimos esforços para preservar as crianças de um ambiente hostil ou violento. Mas essa regra não se aplica quando o assunto é obesidade. Não é incomum que crianças obesas tenham passado por experiências negativas promovidas por pessoas tentando ajudá-las. É como se o corpo gordo fosse território público, autorizando todos a opinar. Afinal, está “doente” e precisa ser urgentemente “curado”!

Infelizmente o ambiente escolar não é o único exemplo. Muitas vezes a situação vexatória acontece dentro de casa, ocasionada pela própria família. Tentando ajudar, falas de pessoas próximas do tipo “você tem um rosto lindo, mas precisa se cuidar” podem colaborar com a construção de uma imagem corporal negativa e baixa autoestima, ingredientes essencialmente prejudiciais à saúde.

Surpreendentemente foram inúmeras as vezes que escutei relatos de pacientes sobre médicos e nutricionistas que realizam intervenções focadas exclusivamente no peso, sem saber que as consequências podem ser desastrosas. Promovendo a valorização do corpo magro como saudável, as armadilhas das dietas restritivas estão atingindo crianças com aval de profissionais da saúde, gerando um ciclo de fracasso, insatisfação corporal e desconexão com os sinais do corpo: terreno fértil para o aparecimento de transtornos alimentares.

Desde que iniciei meu trabalho como coordenadora de pesquisa do Programa de Atendimento, Ensino e Pesquisa em Transtornos Alimentares na Infância e Adolescência (PROTAD) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, me chamou a atenção o fato de que entre os pacientes com anorexia e bulimia nervosa, metade da nossa amostra tiveram excesso de peso na infância. Ao resgatar a história de cada um deles, fica evidente a violência sofrida de diversas formas, vinda de várias direções e muitas vezes camuflada de boas intenções pelo simples fato de estarem acima do peso. Na tentativa desesperada de perder peso, estes pacientes adotam práticas que colocam em risco a sua saúde e aumentam as estatísticas da doença psiquiátrica de maior morbimortalidade.

É mais do que urgente a necessidade de mudança de olhar sobre manejo e controle da obesidade em todas as faixas etárias. Fica a reflexão para nós profissionais da saúde, educadores e pais se já não passou da hora de exercitar a capacidade de se colocar no lugar do outro, com palavras e atitudes, para não ser o agente causador de feridas que dificilmente se cicatrizarão.



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