Por Maria Luiza Petty, nutricionista
Toda vez que dou aula sobre transtornos alimentares para nutricionistas em cursos de pós-graduação, lhes apresento um dos instrumentos de trabalho de quem atende pacientes com estes quadros: o diário alimentar. Pra quem não conhece, o diário alimentar funciona como um material de registro onde o paciente anota tudo relacionado à sua alimentação nos dias entre as consultas. Ele irá registrar não só os alimentos e comidas que comeu, mas também o horário, o tempo que levou para comer, seu nível de fome antes da refeição, sua sensação de saciedade, seus sentimentos naquele momento e outras coisinhas mais, que variam de acordo com cada caso.
Bom, o fato é que quando eu apresento exemplos de diários alimentares preenchidos (obviamente sem a identificação do paciente), os alunos -colegas nutricionistas – sempre ficam perplexos e me questionam se os pacientes não mentem em relação ao que anotam.
Desde que comecei a atender, eu sempre ouvi isso, profissionais fazendo deboche, pois consideravam que os pacientes -principalmente aqueles com excesso de peso -mentiam sobre o que comiam. Isso sempre me incomodou muito. Não pelo paciente “mentir”, mas me incomodava um profissional perceber isso e achar que a culpa é do paciente!
Ora, se eles estão mentindo para o nutricionista é porque eles não confiam, têm vergonha ou medo do nutricionista! Se eles não se sentem à vontade para contar o que e como comem, isso não seria sinal de que estamos julgando e moralizando suas atitudes?
Claro que em um mundo em que comer certos -ou muitos -alimentos se tornou um ato pecaminoso, é comum os pacientes chegarem aos atendimentos nutricionais acoados. Mas se queremos de fato ajudá-los, não seria imprescindível que os profissionais pudessem acolhê-los, sem julgamento? Em um ambulatório de atendimento multiprofissional onde atendi por muitos anos, sempre percebi e apontei para meus colegas que os pacientes traziam muito mais informações a respeito da alimentação para os psicólogos do que para os médicos e nutricionistas. Não teria algo estranho nisso? Será que a culpa é do paciente?
Eu poderia falar ainda muito mais sobre como vejo os colegas realmente embebidos de morais acerca da alimentação, mas vou aproveitar o momento para lembrá-los de outra coisa: as pessoas esquecem o que comem. E, provavelmente, quanto mais a pessoa come, mais ela esquecerá. Fora isso, como já foi muito falado por aqui, no blog do Genta, nós comemos muitas vezes sem nem perceber, sem consciência e de modo desatento.
Será então que, ao invés de aquele paciente estar mentindo, ele não estaria comendo sem perceber? Será que os nutricionistas não precisariam também ficar atentos a isso e, sem fazer julgamentos, ajudar os pacientes a perceberem tudo o que estão comendo? Eu tenho certeza de que todo mundo ganharia com isso. Afinal, se o paciente só se sente à vontade para contar o que ele faz de bom, o que mais poderíamos fazer por eles?