Por Maria Luiza Petty, nutricionista
Além de membro do Genta, fui professora de culinária para crianças por alguns bons anos e depois de um tempo, resolvi escrever um livro com as receitas que achava mais interessantes.
Algumas semanas atrás, recebi o email de duas colegas nutricionistas fazendo uma série de críticas negativas ao livro Lugar de Criança é na Cozinha. Obviamente eu fiquei bastante chateada, afinal sempre é ruim ouvir críticas, mas apesar da chateação, elas me fizeram refletir muito e me inspiraram a escrever este post.
Antes de enfrentar a empreitada de publicar e bancar a impressão de 1.000 cópias de forma independente, eu fiz uma tiragem pequena e dei o livro para profissionais conceituados e que tenho grande admiração para eles o avaliarem. Dessa primeira análise, não recebi nenhuma crítica negativa, pelo contrário, foram só elogios e incentivos. Mas ontem, me dei conta do viés dessa análise. As pessoas que avaliaram o livro enxergam a alimentação e a saúde da mesma maneira que eu, mas outros colegas têm uma visão diferente.
Por exemplo, ao criticar o fato de a receita de yakissoba levar lámen, o milk shake de banana levar sorvete e o guacamole ser acompanhado de salgadinho de milho, percebo o quanto o olhar das colegas está voltado apenas para a composição nutricionaldas preparações. Todas estas receitas estão dentro da seção do livro chamada Viagem Culinária. Nesta seção, tento mostrar que a culinária pode ser mais que uma receita, ela pode ser a oportunidade para estudar a cultura, a história e outras características de um povo.
Além disso, colocar a criança em contato com os diferentes alimentos (afinal, nessas receitas também temos cenoura, repolho, brócolis, pimentão, abacate, tomate, cebola, banana, etc.) auxilia na familiarização dos novos sabores e contribui para que elas os aceitem e ampliem a variedade alimentar consumida. Quando estamos trabalhando com crianças, a dificuldade de experimentar é um grande desafio e evidências científicas mostram que incluir alimentos conhecidos (sem neutralizar o sabor do alimento novo) pode auxiliar a criança reduzir seu medo de prová-lo e favorecer sua aceitação. Portanto, incluir um “miojo” na receita de yakissoba cheia de legumes ou sugerir que o guacamole seja consumido com salgadinho podem trazer bastante benefícios à alimentação da criança sim.
Mas fazer algumas crianças experimentarem um alimento não é nada fácil, nem mesmo cozinhando. Uma das estratégias que eu usava quando ministrava aulas de culinária era sugerir que elas provassem a preparação antes de colocar o sal e o açúcar (sim, as receitas do livro levam sal e açúcar!). Eu costumava pedir que elas avaliassem se estava suficientemente doce ou salgado e desta maneira, sem a pressão de ?tem que comer porque faz bem à saúde?, muitas delas provavam, prestavam atenção, conheciam novos sabores e, quando necessário, acrescentavam um pouco mais de açúcar ou sal.
Uma das colegas que me escreveu sugere que eu faça o yakissoba com macarrão comum e o milk shake com banana congelada no lugar de sorvete. Essas mudanças podem até melhorar a composição nutricional das preparações, mas certamente eu estaria contribuindo para a destruição da cultura alimentar. Yakissoba é feito com lámen e milk shake é feito com sorvete! No livro também tem receita de macarrão com legumes e leite com banana, mas aí são outras receitas…
É importante frisar também que a proposta deste livro não é usar a culinária para alterar a composição nutricional de preparações. Seu principal objetivo é incentivar que as crianças cozinhem! Cozinhar com as crianças faz com que elas se familiarizem com os alimentos e mais, ensinar uma criança a cozinhar contribui para que ela se empodere e seja menos dependente de comida ultra processada para se alimentar.
Minhas colegas também disseram que entendem que a alimentação saudável pode incluir açúcar e alimentos processados de forma equilibrada, mas consideram desnecessário usar estes ingredientes, principalmente em um livro feito por uma nutricionista. Esta crítica me levou a refletir sobre a formação (ou a precária formação) dos nutricionistas, que só consideram necessário os alimentos que atendam às necessidades fisiológicas, esquecendo do seu papel como fonte de prazer, símbolo cultural, elemento de festividade, etc. Mas infelizmente, ou melhor, felizmente, a comida é muito mais do que um pacote de nutrientes.
Isso me faz lembrar de outra crítica que recebi: a presença da receita de crumble de maçãno livro pelo seu alto conteúdo de manteiga. Eu não sei qual a origem do crumble, mas eu conheci esta delícia quando morei na França, onde as pessoas dão muito valor ao prazer de comer e à culinária; na França onde as pessoas comem, sem culpa, muita gordura saturada sob a forma de manteiga e de deliciosos queijos; e na mesma França onde existem muito menos casos de obesidade, de doenças cardiovasculares e de transtornos alimentares do que no Brasil.
Por fim, uma das últimas críticas que recebi foi que as receitas do livro são básicas e pouco inovadoras. Sim, as receitas do livro são básicas – embora salada de legumes ao curry e lassi de manga, pratos indianos que estão no livro, por exemplo, não me pareçam assim tão básicos -, mas são receitas de comida de verdade, de comida que se encontra na casa da avó, no restaurante da esquina ou em um bistrô em Paris. As receitas do livro não levam chia, couve, óleo de cártamo, nem usam tâmara no lugar de açúcar. Elas levam frutas, verduras, óleo, azeite, massa de pastel industrializada, lámen, pêssego em calda, chocolate, brócolis, abobrinha, manteiga, sal e também açúcar. Portanto, se você considera que a presença de alguns desses alimentos nas receitas do Lugar de Criança é na Cozinha não contribui para que as crianças comam melhor, não compre este livro! Mas se você consegue entender a proposta e ficou morrendo de vontade de experimentar o crumble de maçã, é só entrar no site criancanacozinha.com.