Blog


A vida acelerada em 1,5x


Pela nutricionista Manuela Capezzuto Fernandes Dias

Quando o WhatsApp lançou sua nova função de acelerar a velocidade dos áudios, todos pulamos de alegria. Parecia o elixir da economia e otimização do tempo, o suprassumo da produtividade. Escutar longos áudios não parecia mais tão chato e penoso. Quanto maior o número de minutos, mais rápido se ouvia.

Antes disso, vídeos do Youtube e aulas gravadas já contavam com essa função. Lembro quando descobri essa possibilidade – não sou a primeira a saber das novidades tecnológicas então provavelmente demorei mais do que a média – e me diverti alternando entre o mais rápido e o mais devagar.

Entretanto, adiantar as velocidades se tornou tão normal que outro dia me peguei tentando acelerar uma reunião síncrona, ao vivo. Parecia que a pessoa estava lerda, quase tonta. Na verdade, ela só estava falando naturalmente. Foi aí que me toquei que a minha referência de velocidade tinha agora se tornado a 1,5x.

Fiquei pensando sobre as referências, sobre como, cada vez mais, a humanidade tende a padronizá-las. A referência de beleza tem a boca carnuda, a sobrancelha bem delineada, o nariz fino, o rosto “harmonizado”, o cabelo alisado. O jeito de falar, de pensar e de comer também foi padronizado.

Nesse sentido, um estudo clássico e antigo, avaliou mudanças nas atitudes alimentares de adolescentes de Fiji, após a chegada da televisão. Provavelmente vocês já leram sobre isso por aqui. O curioso do estudo é que ele mostrou que, após 3 anos de exposição das adolescentes à televisão, 83% delas responderam que sentiam que a TV influenciou em como elas se sentiam em relação aos seus corpos e peso. Além da aplicação de instrumentos, o estudo disponibiliza alguns trechos de entrevistas com as jovens, que dizem mais ou menos o seguinte: “quando eu olho para as personagens na TV e o jeito que elas atuam, eu só olho para o corpo, a figura delas e eu penso: olhe para elas, elas são magras e todas tem essa imagem. Então, eu mesma quero ficar assim, magra”. Ou: “Eu quero ser como a Cindy Crawford…eu quero ser como ela, bem alta e magra….a TV sempre me afeta dessa forma”.

No final das contas, isso é uma reflexão sobre referências. Antes da possibilidade de adiantar áudios e vídeos, raramente tínhamos a sensação de que as pessoas falavam demasiadamente devagar. Mais do que isso, cada um tinha um jeito de dizer, uma levada própria. Eu poderia dizer que a função de acelerar uniformizou a forma das pessoas falarem.

Antes de assistir televisão, as adolescentes de Fiji não sabiam o que era um padrão de beleza magro. A ideia não é viver numa bolha “atecnológica”, de maneira nenhuma. Mas é se cuidar e se respeitar para as referências não virarem o áudio acelerado em 1,5x ou o corpo esquelético da blogueira. Difícil né? De tempos em tempos, tente colocar o pé no chão, repensar suas referências, criticar verdades tão absolutas.

 

Becker, A. E., Burwell, R. A., Herzog, D. B., Hamburg, P., & Gilman, S. E. (2002). Eating behaviours and attitudes following prolonged exposure to television among ethnic Fijian adolescent girls. The British Journal of Psychiatry180(6), 509-514.



Posts mais recentes



Ortorexia Nervosa e Vegetarianismo

Olha o verão aí gente!!!

Comer intuitivo, Transtornos alimentares e imagem corporal

Fome e obesidade: O paradoxo da insegurança alimentar

A vida acelerada em 1,5x

Rimas infantis para pressões imbecis
Clique aqui e veja todos os Posts

2019 ® Genta - Grupo Especializado em Nutrição e Transtornos Alimentares