Modelo russa Valeria Lukyanova
Por Camila Lafetá Sesana, nutricionista convidada
Recentemente, a Royal Society for Public Health (RSPH), associação sem fins lucrativos do Reino Unido, divulgou os resultados de pesquisa feita com 1.479 jovens de ambos os sexos sobre o uso de mídias sociais e saúde mental. Nos itens sobre imagem corporal e ansiedade, Instagram e Snapchat, justamente as redes mais centradas em imagens, tiveram as piores pontuações (1,2).
Segundo a mesma RSPH, 68% dos entrevistados disseram que apoiariam a publicação de avisos em imagens que passaram por algum tipo de tratamento digital ?apesar de um trabalho já ter mostrado que simples “alertas de manipulação digital” podem não deter o ímpeto de comparação e auto-depreciação de quem as vê (3). Os fumantes que o digam.
Pessoalmente, não me surpreendo. Sou nutricionista de formação comportamental e estou habituada a ver, em pacientes com transtornos alimentares, o imenso sofrimento que existe no fim do espectro da insatisfação corporal. Aprendi a ter uma atitude positiva em relação à diversidade de corpos (inclusive o meu) e tenho uma atenção militante para detectar filtros e ilusões digitais. Não leio revistas femininas, de moda ou de celebridades há mais de 10 anos. Ainda assim, já me peguei lamentando as escolhas e circunstâncias que me levaram a uma vida sedentária depois de um passeio pelo Instagram “fitness”, coletando imagens para aulas.
Acho que as correlações entre tempo passado em mídias visuais, insatisfação corporal e baixa autoestima femininas (4) não se explicam apenas pelo volume de imagens publicadas, mas também pelo excesso de manipulação. Lendo “The End of Overeating” (5), fui apresentada ao conceito da biologia de “estímulo supernormal”. De forma bem resumida, um estímulo supernormal evoca nos animais uma preferência inata e resistente à extinção por características mais exageradas do que as encontradas na natureza. No livro, David Kessler cita o exemplo de um estudo que observou pássaros rejeitando seus ovos para chocar ovos maiores, mais vistosos e artificiais ? ovos que, segundo ele, seriam “biologicamente impossíveis de serem botados” por aquela espécie.
É essa “impossibilidade biológica” que me vem à cabeça quando vejo fotos de corpos entalhados nas formas real e digital. Cinturas mais finas que as de crianças acima de glúteos completamente desproporcionais, “não encontrados naturalmente” em mulheres. Abdominais definidos em gestantes no terceiro trimestre. Não somos mais apenas expostos a corpos editados, mas a corpos editados para apresentar formas extravagantes. Estímulos supernormais, mais atraentes, portanto, mais difíceis de resistir, e em nome dos quais tanta gente sacrifica a própria saúde física e psíquica, como as aves que escolhem chocar ovos que não gerarão descendentes.
Minha conclusão é que não basta mais nos educarmos para sermos consumidores de mídia inteligentes, capazes de reconhecer que aqueles corpos não pertencem nem mesmo às blogueiras, modelos e webcelebridades retratadas. É preciso limitar conscientemente nossa exposição a elas, para que nossos olhos não nos convençam que o “supernormal” é o novo normal.