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Carta de uma nutri à anorexia


Por Fernanda Timerman (nutricionista) e Alessandra Peixoto (redatora e estudante de nutrição).

 

Oi, Ana.

Acho que posso te chamar assim, né? Sinto que tenho essa intimidade, depois de tanto tempo de convivência.

Ao longo dos anos, vi você seduzir muita gente. Ultimamente, você parece ter ganhado ainda mais força, se esbaldando na fragilidade de uma sociedade (des)governada pela competição, pelo perfeccionismo e pela valorização da imagem, encontrando frestas de vulnerabilidade em qualquer idade, gênero, etnia, origem ou estilo de vida.

É, você pode ser bastante cativante, tenho que reconhecer. Especialmente para quem está tão inseguro de si e da opinião dos outros que acredita que, para acabar com a angústia, precisa de controle – uma palavrinha de que você gosta muito, eu sei. Assisti muitas colegas de faculdade, amigas e personalidades que eu admirava comprando essa sua ideia, sua promessa de uma vida mais leve, e acabar arrastando um grande peso por aí.

Esse seu jeitinho não muda. Continuo notando nas pessoas que você fascina um esforço extremo para se controlar e, assim, encontrar prazer e realização. Ouço delas (e sei que é você falando) que só serão felizes quando alcançarem o corpo ideal. Mas eu sei que não é possível ser feliz com você.

Então decidi que essa seria minha missão na profissão: tirar sua máscara. Todos os dias eu luto, em consultas, conversas, textos, para revelar sua forma de operar. Para escancarar que suas fórmulas, mandamentos e conselhos são parte de uma grande ilusão. Assumi o papel não de frustrar desejos, mas de promover reflexão e a consciência de que suas batalhas são inglórias e injustas, uma vez que, ao invés de satisfação, as pessoas que você encanta só se deparam com mais sofrimento.

Sei que, por causa da minha participação, você me pinta como um risco, uma ameaça, alguém que só quer acabar com as conquistas de quem controla os quilos, as calorias ou as medidas, como se tudo se resumisse a números. Também já sei quando você entra em cena manipulando os combinados, as metas e as recomendações para não ser “vencida”.

Pois eu venho dizer que estou cansada de assistir às suas exibições. Por isso, vou repetir quantas vezes for necessário, e com todas as letras, que a leveza não está no corpo. Afinal, quem consegue viver de forma leve se está constantemente em conflito consigo mesmo?

Também vou contar pra todo mundo que a fome não é para ser combatida, driblada nem despistada: ela é um sinal de vida, perfeitamente lapidado ao longo de anos e anos de evolução. E que, quando ela é respeitada, você, Ana, tem muito menos espaço para atuar, não é mesmo? O pensamento obsessivo que você instala vai dando lugar para o alívio de perceber que há outras formas de existir – todas muito mais leves, longe de você.

Eu sei que você é resistente, Ana, e que vai insistir em permanecer por aqui. Mas eu, sua grande adversária, também sou. E este é o meu recado: enquanto você persistir, eu não vou desistir.



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