Por Marcela Kotait, nutricionista
“Marcela, pode dar uma olhada para mim?” – assim fui interrompida pela cuidadora da minha tia, numa manhã de sábado.
“O que é isso?”
“A dieta de uma amiga. Quero emagrecer também.”
E lá fui eu olhar o tal papel. Uma folha sulfite com um cardápio xerocado. A diagramação era péssima, três fileiras eram suficientes para a orientação: nome da refeição, o que comer, e possíveis substituições.
Perguntei à cuidadora como aquele papel tinha chegado em suas mãos, e ela prontamente disse que sua amiga havia ido a uma consulta com uma nutricionista e ela também queria emagrecer, então, assim como muitas amigas, xerocou o papel e já havia iniciado sua saga rumo à queda dos numerais da balança.
Não entrei em maiores detalhes, mas a dieta prescrita era básica e claramente não levava a sério características individuais da cuidadora ou, ouso dizer com certeza, da moça que havia procurado a nutricionista.
Evitei fazer grandes comentários e adaptações para a cuidadora e sugeri que ela também procurasse um nutricionista para ajudá-la formalmente.
Nesses poucos minutos que passaram, senti uma tristeza enorme por perceber que muitos não entendem o real propósito e objetivo da minha profissão, mas mais que isso, que nem os próprios nutricionistas sabem o quanto podem e devem fazer pelas pessoas que os procuram.
Passar uma dieta generalista em poucos minutos de consulta, a famosa dieta de gaveta, é imperdoável no meu ponto de vista em relação à majestosa ciência da Nutrição.
Todos que passam por essa nutri levam a mesma dieta para casa. Sim, a mesma. E essa dieta é inevitavelmente xerocada e continua sendo replicada para outras pessoas e outras pessoas e outras pessoas… Viramos simples prescritores de castigos. Somos vistos como chatos que adoram proibir as pessoas de comer o que é gostoso.
E isso não é privilégio de quem vai a uma consulta. Outro dia, uma colega que havia trabalhado comigo no Hospital das Clínicas me mandou um perfil de uma nutricionista “famosa” nas redes sociais. Na mensagem, minha colega dizia algo como “olha que horror”. E quando comecei a ver o que estava sendo postado meu estômago se contorceu… A nutricionista, ao pegar uma xícara de café, olhava fixamente para a câmera do celular e gravava para seus milhares de seguidores as seguintes frases enquanto se contorcia e chacoalhava a cabeça: “se eu pegar você tomando café com adoçante ou açúcar eu te mato!”. Ooooooi? Eu te mato? Socorro!!!! Ela não precisa me matar, eu mesma tive vontade de fazê-lo. Uma nutricionista gritando isso em redes sociais???
Rebaixar nosso trabalho à fiscalização do uso de açúcar no café, sem se aprofundar nas questões individuais e sem ser honesto na maneira de orientar é o mal da minha (da nossa) profissão.
Se orgulhar do papel punitivo e fiscalizador da profissão é minimizá-la e evita que todos entendam a real função do nutricionista: somos mais que alguém que da papelzinho com o que comer, somos auxiliadores de novo processos e significados com o comer. Somos responsáveis por transformar (para o bem e não para o mal, como fazemos) a relação das pessoas com a comida. Somos mais, e isso depende da gente. Só da gente.