Por Karin Dunker, nutricionista
Nesta última semana ocorreu em São Paulo a Fashion Week. O tema gera muitas discussões, uma vez que é um momento em que somos expostos, na visão de muitos, a um mundo glamoroso, onde lindas modelos com seus corpos esculturais e magérrimos expõem roupas que ditam a tendência da moda para a próxima estação. Acho que aqui vale discorrer um pouco sobre o que existe por trás desse mundo, que parece tão fantástico e maravilhoso a vista de todos. Na literatura, considera-se que modelos representam um grupo de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares, uma vez estão mais expostos a comportamentos de dietas e pressão profissional pela magreza. O assunto ainda é controverso no meio científico, uma vez que existem poucos estudos sobre a prevalência destes transtornos em modelos. Um primeiro estudo realizado em 1980 por Garner e Garfinkel demonstrou em uma amostra de 56 modelos, uma prevalência de 7% de Anorexia Nervosa. No entanto, os estudos mais recentes que se seguiram sobre o assunto, encontraram prevalências menores de anorexia e bulimia nervosa. Por outro lado, estes mesmos estudos verificaram prevalências maiores das chamadas síndromes parciais (8 a 12%) (Santonastaso et al. 2002; Preti et al, 2008;).
As síndromes parciais são utilizadas para denominar indivíduos que não preenchem todos os critérios de diagnóstico para a Anorexia e Bulimia Nervosa. Por exemplo, no caso da Anorexia Nervosa, o indivíduo pode manter a menstruação apesar da perda clinicamente significativa de peso; ou pode apresentar todos os outros critérios para Anorexia Nervosa mais ainda tem o peso dentro da normalidade. Na bulimia nervosa podem exisitir casos em que ocorram episódios bulímicos e uso de métodos compensatórios com duração menor que 3 meses, ou frequência menor que duas vezes por semana, ou ainda aqueles que se utilizam de métodos compensatórios mesmo após o consumo de uma quantidade normal ou pequena de alimentos.(Para maiores informações sobre critérios de diagnóstico dos Transtornos Alimentares, acessar www.genta.com.br).
A evolução da síndrome parcial para o quadro completo de um transtorno alimentar está relacionada à presença de outros fatores de risco, como características psicológicas individuais, relações familiares, genética, e aspectos socioculturais. No caso das modelos, o ambiente em que trabalham é considerado o maior fator de risco. A carreira de modelo geralmente é procurada pelas meninas no início da adolescência, por volta dos 12 a 14 anos, justamente no momento em que o corpo está em fase de mudança fisiológica, decorrente do estirão, com o aumento dos quadris, desenvolvimento dos seios, e aumento da porcentagem de gordura corporal. A exposição precoce ao ambiente da moda, considerado altamente competitivo, com uma pressão extrema pela magreza, leva muitas meninas com baixa estima corporal a se engajarem em comportamentos inadequados de controle de peso, como o uso de dietas restritivas, medicação para emagrecer, uso de laxantes/diuréticos/vômitos e prática de atividade física excessiva.
Os riscos vão além das consequências da restrição alimentar e do uso de métodos compensatórios para controle do peso. Sabe-se que este meio também predispõe ao uso de drogas e álcool. Segundo Santonastaso et al. (2002) em seu estudo com modelos italianas, os autores verificaram que 35% abusavam de drogas e álcool comparado com 12% de um grupo que não era modelo.
Segundo Preti et al. (2008), a carreira de modelo seleciona naturalmente mais meninas com predisposição aos transtornos alimentares, pois estas têm maior facilidade de se manter em um baixo peso, aceitam mais os padrões desejáveis de forma e peso, são mais agressivas, assertivas e muito mais determinadas ao sucesso profissional. São na maioria das vezes meninas com antecedentes de transtornos alimentares que apresentam altos níveis de perfeccionismo e competitividade, maior facilidade para se adaptar às solicitações de perda de peso, com uma preocupação compulsiva com a forma corporal.
As informações científicas sobre o assunto ainda são escassas, e as justificativas seriam principalmente a falta de cooperação por parte das agências de modelos para facilitar o acesso às profissionais e a negação de sintomas de transtornos alimentares por parte das modelos. Percebe-se que existe um movimento quanto ao que seria um peso saudável para as modelos, que geralmente ficam abaixo do índice de massa corporal considerado normal, de 18,5 kg/m2. Alguns países como Espanha e Inglaterra criaram critérios de seleção, baseados em idade e IMC, com vista a retirar as modelos size-zero das passarelas (modelos que usam tamanho 32 de roupa).
No Brasil, um documento público, apoiado pela o apoio da Associação Brasileira de Psiquiatria e a Academy for Eating Disorders, comentou sobre a morte de duas modelos por anorexia e ressaltou o quanto a ênfase na magreza excessiva pode contribuir no desenvolvimento e perpetuação de comportamentos alimentares inadequados em indivíduos suscetíveis (Moya, 2007).
Essa discussão está apenas começando, e é importante que toda sociedade se mobilize no sentido de questionar os padrões de beleza apresentados pela moda. O que vemos nos desfiles é real? Será que você quer ter esse corpo sem curvas que parece um cabide para as roupas? O que você teria que fazer para ter um corpo igual a esse? Bom, algumas hipóteses foram apresentadas neste texto, agora vale a pena refletirmos se a magreza que vemos nas passarelas é realmente saudável!
Leia mais sobre o assunto:
Garner DM, Garfinkel PE: Socio-cultural factors in the development of anorexia nervosa. Psychol Med 1980;10:647?656.
Moya T, Claudino AM, Furth EF. Extreme thinness in models mobilizes eating disorders? researchers and specialists. Rev Bras Psiquiatr. 2007; 29:1-2.
Preti A, Usai A, Miotto P, Petretto DR, Masala C Eating disorders among professional fashion models. Psychiatry Res 2008; 159-:86-94.
Santonastaso P, Mondini S. Favaro A.,2002. Are fashion models a group at risk for eating disorders and substance abuse? Psychoth Psychos 2002; 71:168?172.