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Imagem corporal, mídia e cultura: ainda há salvação?


Por Alexandre Azevedo, psiquiatra do AMBULIM

Em recente passagem pela África do Sul, tive a oportunidade de acompanhar uma produção local de televisão por um par de semanas. Intitulada por Isidingo –The Need , é uma espécie de novela “sem fim” inserido na programação desde 1998 do canal SBAC3 (South African Broadcasting Corporation – criado em 1996 e direcionado à  comunidade de língua inglesa da África do Sul). A sua trama envolve as vidas das pessoas que vivem em Horizon Deep, uma cidade na periferia de Gauteng, província onde se encontram as cidades de Pretória e Joanesburgo. Os personagens vão desde os ricos e poderosos até as aspirações de classe média e problemas da classe dita trabalhadora, representando um microcosmo da sociedade sul-africana moderna (http://www.sabc3.co.za/).

Contudo, o meu real interesse não foi pelo enredo, mas sim pela surpreendente observação de que independentemente do status social do personagem era possível observar uma diversidade de formas corporais, pesos e tamanhos que legitimamente não o pré-definiam. O mocinho rico e galã da novela estava claramente acima do peso considerado normal pela OMS, a principal mocinha que sofre ao longo da trama tinha uma forma corporal avantajada raramente vista em produções locais brasileiras e a cantora famosa e ícone de beleza, era, sem dúvida, obesa, além de um sem número de outros personagens que não eram classificados pela aparência de seu corpo. Fiquei realmente feliz em imaginar que era possível assistir uma produção televisiva que representava espontaneamente a diversidade de corpos, tamanhos e formas encontrada em qualquer sociedade. A dúvida então que me surgiu foi se as publicações científicas que investigavam a imagem corporal realizadas em populações da África do Sul poderiam revelar resultados diferentes da maioria das sociedades pelo mundo.

Em breve busca no site de literatura médica PUBMED – https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/ (site do The National Institutes of Health que compreende mais de 28 milhões de citações de literatura biomédica da MEDLINE) – usando palavras chaves “body image south africa”, o resultado foi também interessante. A mais recente publicação estudando cerca de 1000 mulheres entre 18 e 23 anos, datada de novembro de 2017 – Examining the relationships between body image, eating attitudes, BMI, and physical activity in rural and urban South African young adult females using structural equation modeling (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5690598/) -, revelou que mulheres da zona rural, em maior proporção que mulheres da zona urbana, percebem um corpo com sobrepeso como sendo considerado de “maior respeito” e um corpo de silhueta “normal” como o “melhor”, sugerindo que embora ocidentalização possa ter influenciado a satisfação da imagem corporal e atitudes nas jovens sul-africanas em relação à preferência por uma silhueta de peso normal, o desejo  tradicional de IMC mais elevados nas populações africanas continua a ter maior influência nesta população. E o mais curioso é que isto não significa um desconhecimento sobre as possíveis consequências da obesidade; um estudo qualitativo realizado por Draper e colaboradores em 2015 revelou que, embora as meninas sul-africanas urbanas mantenham percepções positivas para o sobrepeso, há um aumento conhecimento e compreensão sobre os riscos à saúde associados à obesidade e os benefícios da perda de peso (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25809525).

É preciso deixar claro que esta breve discussão não defende a ideia de promoção da obesidade para a população, mas sim a ideia de que é possível e desejável se relacionar bem emocionalmente com seu corpo e estimular a saúde em qualquer peso, independentemente do IMC, desestimulando ainda referenciais de corpos perfeitos como desejáveis e  únicos para garantia de sucesso e felicidade.



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