Por Ana Carolina Pereira Costa
Nunca antes na história moderna, ouso dizer, escancarou-se de tal forma a complexidade da nossa relação com a comida e nunca esteve mais evidente nossa relação de interdependência com outros seres humanos e com a natureza.
No início da pandemia na China, ano passado, a alimentação foi vista como “maldição”, assim como a maçã no Jardim do Éden. Escutei muitas vezes a máxima: “se os chineses não comessem animais inadequados, esse vírus não teria chegado até nós e nada disso teria acontecido”. E aqui um adendo: será mesmo que comer animais ainda pode ser encarado como algo neutro, sob o ponto de vista ético e de sustentabilidade?
Passados alguns meses, quando o covid-19 bateu à nossa porta, a alimentação ganhou status de “elixir”: a busca ansiosa e desesperada por nutrientes e shots que garantiriam uma boa imunidade e nos deixariam mais resistentes e protegidos contra a infecção viral.
Porém, como a manutenção e fortalecimento de nossa imunidade constituem processos complexos, e como não existem nutrientes ou alimentos milagrosos, os blogueiros fitness e propagadores de conceitos alimentares ortoréxicos e transtornados foram, finalmente, perdendo um pouco de força, e abriu-se espaço para os verdadeiros influencers desta geração: os profissionais de saúde sérios, cuja conduta está devidamente pautada e respaldada em Ciência. E nem preciso dizer que fazer bolo ou pão ganhou status terapêutico – logo eles, alimentos fontes dos “temidos” carboidratos!
Como privilegiada que sou – pertenço à classe média, não fiquei na dependência de um auxílio emergencial duvidoso e pude trabalhar de casa –, tive a oportunidade de aproveitar a desaceleração forçada para refletir sobre minha vida e, por que não, sobre minha própria relação com a comida. E queria trazer algumas reflexões neste texto.
Sem a oportunidade de frequentar cafés, bares, lanchonetes ou restaurantes, percebi o quanto para mim foi tranquilo e pouco sofrido simplificar minha alimentação. Foi curioso notar o quanto gatilhos ambientais e sensoriais – cheiros, imagens, passar em frente àquela doceria que adoro – influenciavam de forma considerável meu consumo alimentar. Passei a comer o básico, o trivial caseiro, sem glamour ou gourmetização. Repetir no dia seguinte o prato do dia anterior e aproveitar de forma mais inteligente o que já se tem em casa, para não precisar sair e se expor ao vírus. Comecei a ajudar minha mãe a cozinhar e pude aprender coisas valiosas com ela, que provavelmente não teria me dado ao trabalho de aprender de forma espontânea e intencional caso as circunstâncias fossem outras.
Comecei a pensar duas vezes antes de acionar o delivery: um misto de medo de pegar a doença, ambivalência em relação a contribuir com uma maior exposição dos entregadores, que trabalham em condições desfavoráveis, e esforço consciente para tentar minimizar a geração de lixo; afinal, já notou quantas embalagens jogamos fora quando a comida é entregue pronta em nossa casa? Isso me fez economizar dinheiro, o que por sua vez me possibilitou contribuir com causas filantrópicas que fazem sentido para mim.
Nas poucas vezes em que precisei sair, percebi que pensava duas vezes antes de simplesmente comprar algo e comer naquele exato instante: tirar a máscara? Pegar o alimento com a mão suja? Quantas vezes antes, ao passar no supermercado que gosto, simplesmente não comprava alguns mini pães de queijo para comer enquanto aguardava na fila do caixa?
Minhas reflexões não têm o intuito de servir de exemplo ou lição para ninguém. Mas talvez possam te inspirar a fazer suas próprias reflexões: como a pandemia mudou sua relação com a comida? Trouxe algo de positivo para você e para o mundo? Como manter esses possíveis ganhos na rotina pós-pandemia?