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Mas você não come isso?


Pela nutricionista Maria Luiza Petty

 

Todo adulto que teve ou tem alguma dificuldade alimentar já ouviu esta pergunta, que, normalmente, vem acompanhada de caras e olhares de espanto e julgamento.

Além de conviver com um irmão que é mais exigente para comer e após alguns anos atendendo crianças e adultos com TARE – transtorno alimentar restritivo evitativo, fui entendo como é o sofrimento de quem se sente julgado e menosprezado pelos outros por não conseguir comer o que a maioria das pessoas come.

Já ouvi de duas pacientes minhas que elas justificavam aos outros que não comiam quase nada porque queriam ser magras, pois isso gerava menos julgamento negativo do que se elas dissessem a verdade, que elas não conseguiam tolerar o gosto, o cheiro, a aparência e, principalmente, a textura dos alimentos.

Algo que ouço com frequência de adultos com TARE é a sensação de que eles irão morrer cedo, de tanto que já ouviram que ficariam doentes com a alimentação que têm.

Meu irmão me contou há um tempo que já viveu a situação de se sentir um animal de zoológico, quando vários amigos começavam a lhe perguntar se ele comia certos alimentos e, de repente, ele se tornava o centro das atenções, todos se voltavam a ele e o observavam com cara de espanto a cada “não” que ele respondia. Ele também já me relatou que nunca entendeu por que ele era tão julgado por não comer legumes e seus amigos vegetarianos eram totalmente respeitados por não comer carne.

Uma paciente me contou que se sente uma pessoa tão inadequada por não ter um prato colorido, que antes de alguém fazer algum comentário, ela já sai avisando que sofre de um transtorno alimentar, se expondo desnecessariamente.

É muito comum também eles me contarem que morrem de medo de serem convidados para jantar, de ir em restaurantes e até de viajar com amigos.

Os pacientes que me procuram costumam chegar ao consultório se menosprezando, dizendo que são frescos, chatos ou enjoados para comer. Certamente é assim que eles já foram chamados e hoje se apropriaram do rótulo injusto.

Todos, sem exceção, me respondem que sim quando eu lhes pergunto se tomariam uma pílula mágica para conseguir comer de tudo. Eles querem comer como todo mundo. Eles querem ter uma alimentação equilibrada. Eles querem não ter que se preocupar com o menu de onde estarão, pois talvez não tenham o que comer. Eles querem não viver mais conflitos e situações traumáticas para comer. Eles querem ser saudáveis e querem ter mais prazer com a alimentação.

Mas para algumas pessoas, conseguir comer de tudo não é uma escolha, não é falta de informação sobre a importância dos alimentos, não é algo banal.

Quem tem dificuldades alimentares, como o TARE, não tem simplesmente um gosto exigente para comer. Eles podem ter medo, pavor e desespero para comer. Em um programa de TV com pessoas “chatas para comer” um homem uma vez disse: “comer este prato de comida é, para mim, como pular de um precipício”.

Então, antes de perguntar “mas você não come isso?”, é sempre bom lembrar que dificuldades alimentares, como o TARE existem e quem sofre com isso também merece respeito pelas suas possibilidades atuais.



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