Por Vanessa Pinzon, psiquiatra
Cada fase do desenvolvimento humano é caracterizada por padrões alimentares específicos, de acordo com as necessidades biológicas, psicológicas e emocionais, bem como das relações afetivas. Esses padrões são temporários, mutáveis e mais importante, não causam nenhumtipo de alteração física, psicológica ou social. Assim, é esperado que uma criança entre 3 e 6 anos, em função de mudanças metabólicas, fique menos interessada em comida, diminua as quantidades de alimentos ou seja mais seletiva.
O transtorno alimentar restritivo/evitativo ou TARE (do inglês Avoidant Restrictive Feeding Disorder ? ARFID) foi incluído na quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Psiquiátricos (DSM-5), lançado em 2013, embora já seja conhecido pelos especialistas em transtornos alimentares na infância e adolescência há muito tempo. O TARE inclui problemas alimentares graves, rígidos e persistentes que acabam causando pelo menos uma dessas consequências:
a) perda de peso significativa (ou insucesso em obter o ganho de peso esperado ou atraso de crescimento em crianças);
b) deficiência nutricional importante identificada por exame físico ou laboratorial;
c) dependência de alimentação por sonda ou suplementos nutricionais;
d) interferência marcante no funcionamento psicossocial.
Os padrões alimentares caracterizam-se frequentemente por um ou mais dos seguintes aspectos:
1. Falta aparente de interesse na alimentação ou em alimentos: esquecem de comer, não se queixam de fome ou não pedem comida, mostram-se entediados nas refeições, dizem-se satisfeitos com a ingestão de quantidades insuficientes de comida;
2. Esquiva baseada nas características sensoriais do alimento: repelem alimentos em função dos seus sabores, texturas, cor ou cheiro. Acabam ingerindo apenas um grupo de alimentos ?preferidos?;
3. Preocupação acerca de consequências aversivas alimentares: após evento traumático, como engasgos, vômitos, diarreia, sondagem em hospitalização, o indivíduo desenvolve medo dos alimentos parecidos com o que lhe causou o trauma ou dos alimentos em geral.
Frequentemente, as tentativas de fazer esses pacientes se alimentarem de forma diferente causam reações emocionais e comportamentais violentas na infância e adolescência. Os pais percebem um sofrimento desproporcional a situação de oferecer os alimentos regularmente consumidos pela família. As refeições transformam-se em verdadeiros campos de guerra, estressando todos os envolvidos. Nos adultos, o TARE pode causar isolamento social e perdas de oportunidades de trabalho.
O TARE pode ocorrer em associação com outros transtornos psiquiátricos, como os transtornos do espectro autista, bem como com doenças gastrointestinais, como alergias alimentares. É importante salientar que não há preocupação com a forma ou peso corporal, como nos quadros de anorexia nervosa ou bulimia nervosa.
Já há entendimento que o TARE tem origens biológicas, psicológicas e sociais complexas. Portanto, os pais não podem causar TARE em seus filhos! Os pais, assim como os pacientes, não têm culpa!
Se existe suspeita desse diagnóstico, é fundamental que sejam realizadas consultas de seguimento com entrevistas e exame físico detalhados e solicitação de exames laboratoriais. O tratamento do TARE segue sem protocolos, mas há um consenso entre os especialistas de que deve incluir: equipe multidisciplinar, a família, terapêuticas individualizadas e utilização de técnicas cognitivo-comportamentais e/ou tratamento embasado na família (Family-based treatment), adaptados para cada caso.
Lembre-se: a maioria das crianças pode ter algumas dificuldades alimentares ao longo de seu desenvolvimento, sem que isso seja uma doença. Mas, na presença de sofrimento intenso do paciente e/ou da família e de prejuízos à saúde física, emocional ou social, é importante buscar ajuda especializada.
Para saber mais:
American Psychiatric Association. DSM5. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos psiquiátricos. 5ª edição. Artmed.
Bryant-Waugh, R. Feeding and eating disorders in children. Current Opinion, Vol 26 (6):537-42.2013
Bryant-Waugh, R. & Lask, B. Eating Disorders: A Parents” Guide, 2ª edition. Routledge. 2013.
Chatoor, I. Quando Seu Filho Não Quer Comer (ou Come Demais): O Guia Essencial Para Prevenir, Identificar E Tratar Problemas Alimentares Em Crianças Pequenas. Editora Manole. 2016.
Mammel, K. A. & Ornstein, R.M. Avoidant/restrictive food intake disorder: a new eating disorder diagnosis in the diagnostic and statistical manual 5. Current Opinion, vol 29 (0): 1-7, 2017.