Por Dr Alexandre Pinto de Azevedo, psiquiatra
Cada vez mais estamos expostos a novas regras e conceitos sobre a alimentação. E cada vez mais a relação com a comida vem sendo problematizada. Já podemos identificar uma série de transtornos alimentares bem definidos segundo a Associação Americana de Psiquiatria (sua última revisão foi realizada em 2013)1 e nesta classificação encontramos os novos critérios diagnósticos para o Transtorno de compulsão alimentar (TCA), entre outros transtornos alimentares. O TCA é caracterizado por episódios recorrentes de descontrole alimentar (compulsão) em que se ingere grande quantidade de alimentos com uma rapidez e voracidade diferente do habitual das refeições não compulsivas. Usualmente é possível identificar sentimentos e situações desencadeadoras destes episódios e o sofrimento psíquico se dá pela culpa da perda de controle.
Recentemente, inúmeros estudos vêm sendo publicados relatando um possível outro padrão de descontrole alimentar, desta vez descrevendo um padrão similar ao vício ou adicção por substâncias, porém neste caso pela comida (food addiction)2. Segundo estes diferentes estudos, o vício por comida seria uma dependência comportamental caracterizada pelo consumo compulsivo de alimentos saborosos (com alto teor de gordura e de açúcar), que seriam os tipos de alimentos que ativam acentuadamente o sistema de recompensa em humanos e animais. A ideia de que alguns indivíduos poderiam ser viciados em comida partiu de estudos que verificaram que era possível identificar uma “ativação” – em exames de neuroimagem e neurofuncionais – em regiões cerebrais responsáveis pela recompensa e percepção de prazer de maneira similar a “ativada” por drogas, como cocaína e heroína. E que alimentos altamente palatáveis (ricos em gordura, açúcar e sal) teriam potencial viciante.
O que precisamos pensar é que para determinada substância provocar dependência é necessário que a molécula de tal agente atue diretamente sobre vias cerebrais específicas, em particular as vias de neurotransmissão da dopamina, modificando a liberação desta. Embora diferentes drogas promovam estas modificações de maneiras distintas, ligando-se a diferentes receptores, ou transportadores, o resultado final é aumentar a disponibilidade sináptica da dopamina3. Apesar de o comer exagerado e a obesidade serem freqüentemente atribuídos a um vício em alimentos, atualmente há uma falta de evidência científica para apoiar a ideia de que certos alimentos contêm qualquer substância adictiva (viciante) específica. Ou seja, não é possível afirmar que determinados alimentos podem provocar modificações químicas cerebrais possíveis de provocar vício. Então, torna-se claro que chocolate, sorvete ou batata frita, por exemplo, não podem determinar dependência química.
Contudo, não podemos desconsiderar que assim como alguns comportamentos disfuncionais são descritos como similares ao vício, como a impulsividade por jogos, por compras, por sexo, por internet e tecnologias portáteis, o vício em comer (eating addiction) – e não pela comida – pode ser potencialmente considerado como existente. Seriam considerados comportamentos alimentares como se fossem vício (addiction-like eating)4. A dificuldade atual é estabelecer diferenças claras entre o TCA e o possível vício em comer, pois ainda pela maioria das evidências científicas atuais não é possível estabelecer esta distinção.